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Casa provavelmente do séc. XIX. Foto de Marcelo Nascimento. |
Apesar das muitas modificações no seu casario antigo, Pesqueira ainda guarda tesouros preservados da ação do tempo e intactos da mão humana que teima em destruir, pois a cada casa derrubada ou modificada, vai embora um pedaço importante da nossa história.
A simplicidade e a beleza desta casa localizada na Rua Tito Magalhães, nº 69, apresenta características típicas de uma arquitetura com influência colonial muito popular no interior nordestino no século XIX com traços simples, porém, muito funcionais para as fazendas ou sítios em que eram construídas.
Observando a sua estrutura podemos notar que é uma casa térrea, de planta retangular, com cobertura em telhado de duas águas e telhas cerâmicas que passam pelos beirais salientes projetando-se para fora das paredes. Possui cumeeira alta para ventilação e conforto térmico dos moradores, onde se formava o antigo pé-direito alto (espaço entre o teto e o telhado) que criava uma câmara de ar, funcionando como isolante térmico natural. Pois, à medida que o ar quente sobe, mais o calor se concentra lá em cima, longe do ambiente habitado, fazendo com que o interior fique fresco e ventilado.
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Aspecto da fachada com seus detalhes. Arquivo desta página. |
Uma adaptação arquitetônica para enfrentar as altas temperaturas dos rincões nordestinos que não apenas ocorria com a cumeeira alta, mas, com as grandes janelas como é possível ver na casa que atualmente está pintada em tom ocre/amarelo com detalhes em marrom que contornam portas e janelas feitas de madeira.
Outro detalhe importante é a construção em patamar elevado, notamos isso pela altura da calçada, que era uma solução comum para lidar com desníveis, chuvas e também garantir ventilação.
Ainda compõe a fachada as tradicionais “beira e bica” que dão não apenas charme as construções antigas, mas, que são extremamente funcionais nos períodos chuvosos para fazer a drenagem (bica) e a proteção (beiral) jogando a água para fora evitando que escorra na parede e causem infiltrações, além disso, criavam sombra protegendo a casa de insolação forte.
Uma
análise rápida e leiga nos faz ver o quanto
se pensava em soluções adaptativas ao clima nordestino que contrastava em
períodos de seca e calor, mas, que também possuía invernos rigorosos e frios.
Porquanto, as pessoas precisavam estar preparadas, e as habitações da época nos
contam muito sobre o modo de ser e viver, por isso, que a cada casa que
derrubam é uma memória que some, é uma história que se perde no tempo.
Pois bem, descrita a casa, é importante falar um pouco sobre seu antigo proprietário, neste caso o capitão Abílio Rodrigues Pereira de Freitas (Fazenda Cacimba de Paus, Pesqueira, 19/02/1880 – Pesqueira, 04/10/1950), filho do capitão José Rodrigues Pereira de Freitas (proprietário da Fazenda Cacimba de Paus na região do distrito de Salobro em Pesqueira) e de Thereza Perpétua de Jesus Freitas.
Casou em Pesqueira no dia 12 de outubro de 1907 com Júlia Magalhães de Freitas (Pedra, 1880 – Pesqueira, 05/03/1975), filha de Tito Magalhães da Silva Porto e Maria Cavalcanti de Medeiros que casaram em Pesqueira no dia 12/10/1907 e foram pais de 5 filhos: Cincinato (1909-1979); Laete (1912-1971); Maria do Carmo - Dona Carminha (1914-2012), a primeira mulher a assumir a prefeitura e a exercer um mandato de vereadora em Pesqueira; Eunice - Irmã Freitas da congregação das Dorotéias (1915-2012); e Armando Magalhães de Freitas (1920-1982).
O capitão Abílio de Freitas era criador, comerciante, juiz e político, tendo exercido por duas vezes o cargo de Conselheiro Municipal (1907-1910 e 1910-1913) em ambas atuou na mesa diretora do parlamento municipal como 1º e 2º secretário.
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Nesta fotografia de 1913 percebe-se a casa isolada como sede da propriedade rural do capitão Abílio de Freitas. |
Em Pesqueira, sua propriedade ficou conhecida como “Alto da Favela” estando encravada às margens da linha férrea (atual Rua Major Panta), e seguia por trás da Igreja de São Sebastião na direção ao sul pelo antigo Caminho das Boiadas (atual Rua José Leite da Silva) que seguia perpendicularmente a antiga Estrada do Bálsamo (atual Rua Henrique Dias) para encontrar a atual rodovia BR-232.
A parte abaixo da linha férrea formava a “Favela” e de acordo com a Lei Municipal nº 37 de 4 de janeiro de 1917, o Bairro da Favela era composto pelas seguintes artérias: Rua Felipe Camarão, Rua Conselheiro Paes Barreto, Rua Henrique Dias, Rua Vidal de Negreiros e Rua Fernandes Vieira (atual Epaminondas de Melo) que formavam o perímetro suburbano.
Com o crescimento populacional e a necessidade de expansão urbana da cidade, tornou-se inviável a manutenção de uma propriedade rural tão próxima do centro, por essa razão as terras do capitão Abílio de Freitas foram loteadas, provavelmente a partir da década de 1950, inclusive, seus herdeiros venderam para Prefeitura de Pesqueira em 1952 uma área com 200 lotes pelo valor de Cr$ 25.000,00 a serem pagos em oito prestações anuais, onde seriam construídas habitações populares através da Fundação de Casas Populares de Pesqueira, criada pelo Projeto de Lei nº 218/1952 de autoria do vereador Luiz Neves, infelizmente, do que fora previsto só foram entregues 4 casas em 26/03/1955.
Isto posto, a propriedade do capitão Abílio de Freitas deu origem a um dos bairros mais populosos de Pesqueira: o Centenário, nome que substituiu o antigo Alto da Favela. Este bairro surgiu depois de um dos primeiros loteamentos sistematizados de Pesqueira. De modo geral, o aspecto arquitetônico do Centenário exemplifica um bairro com origens pós metade do século XX. O que foge a regra é a antiga casa com características coloniais.
Em certa época a casa passou a ser propriedade do senhor Francisco Medeiros, conhecido como Chico Boateiro (Sítio Capim de Planta em Pesqueira, 17/07/1925 – Recife, 15/07/1998). Filho de Alcebíades Izídio de Medeiros e Luiza Ferreira. Casou-se com Maria Izabel Medeiros, com quem teve nove filhos: Carlos Alberto, Francisco José, Maria Luíza, Antônio Carlos (falecido), Ângela Maria, Marco Antonio, Mauro Paulo, Marcílio José e Márcia Carla Medeiros.
Era considerado um homem honrado e trabalhador que desde cedo assumiu as responsabilidades de provedor da família, primeiro como funcionário das Fábricas Peixe e depois como comerciante, famoso na cidade pela tradicional Barraca de Chico Boateiro, localizada na Rua Duque de Caxias, onde vendia cachorro-quente nas festas locais e o qual era um dos mais concorridos pelo sabor e qualidade.
Nossa homenagem a Chico Boateiro e aos filhos que ainda residem na casa histórica da Rua Tito Magalhães por mantê-la com as suas características originais demonstrando zelo e cuidado pelo passado, um exemplo a ser seguido.
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Arquivo desta página. |
Simplicidade e beleza não faltam a esta casa sesquicentenária que se encontra intacta para mostrar que elegância e estética ultrapassam o tempo e apresentam uma arquitetura em que tudo fazia sentido, tinha função e, sobretudo, tinha identidade. Cada lugar tinha seu jeito próprio de construir, fosse o Nordeste com a influência colonial portuguesa adaptada ao semiárido; o Sul com os seus enxaimel de influência germânica; ou mesmo o Sudeste com as casas coloniais adaptadas ao clima serrano.
Em síntese, nos alegra ver uma casa preservada em tempos nos quais as construções estão tão iguais. A arquitetura conta histórias e a pergunta que fica é: será que em alguns anos teremos casas iguais a esta para contarmos a sua história?
Por Fábio
Menino de Oliveira
Referências Bibliográficas
CAVALCANTI, Bartolomeu. No tacho, o ponto desandou: história de Pesqueira, de 1930 a 1950. Dissertação (Mestrado em História) – Universidade Federal de Pernambuco, Recife, 2005.
MACIEL, José de Almeida. Ruas de Pesqueira. Apresentação de Gilvan de Almeida Maciel. Recife, CEHM, 1987.
PESQUEIRA. Câmara Municipal de Pesqueira. Projeto de Lei nº 007/2015 do Legislativo: Fica denominada a Rua Projetada nº 10, no Bairro Moacir Britto de Freitas, de Rua Francisco Medeiros, e dá outras providências. Vereador Wagner Cordeiro. Pesqueira/PE, 22 out. 2015.
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