FOGO NO CÉU E TREMOR NA TERRA
Estranhos fenômenos sísmicos no interior
de Pernambuco.
Hipóteses admitidas pelo diretor do
Observatório Nacional.
Publicamos ontem um despacho da
estação de Pesqueira [1],
no Estado de Pernambuco e dirigido à Diretoria de Meteorologia, comunicando-lhe
que fora sentido às 11 horas e 20 minutos, um tremor de terra, precedido de
forte clarão, acompanhado de vários estampidos. Hoje os telegramas de nossos
correspondentes especiais, em diversas localidades do interior pernambucano,
confirmam aquele despacho e demonstram que o fenômeno abrangeu uma vasta zona.
No lugar da faixa começou a ser
vista uma espécie de fumaça e, em seguida, ouviram-se três fortíssimos estampidos,
acompanhados de outros menos fortes.
A população da cidade ficou bastante
alarmada, principalmente porque algumas pessoas sentiram o calor do fogo.
Sabe-se aqui agora, que em Alagoa do
Monteiro [2],
distante trinta léguas a leste daqui, foi presenciado por muitas pessoas o
estranho fenômeno.
O Brasil tem fama de ser um país
privilegiado, sem vulcões e sem terremotos, mas, por várias vezes, grandes
arrepios tem abalado o seu ótimo solo como já se observou não há muito, no
Espírito Santo, no Estado do Rio e São Paulo.
Esses abalos sísmicos apenas
produziram espanto, mas o que agora se registra começava a causar alarme, tornando-se,
pois, necessário explica-lo, mediante os elementos que porventura possuía o
Observatório Nacional. Quando procuramos o Dr. Morize [3],
já o alarme havia chegado ao seu gabinete, através de angustiosos telefonemas,
em que lhe eram pedidas informações sobre o que ocorrera, ou estava ocorrendo
no Norte.
Uma nota do Observatório
Em vista dessas perguntas telefônicas,
o Dr. Morize redigiu para ser publicada a seguinte nota:
‘Tendo anunciado nos jornais de
ontem, à tarde, (dia 1º), a produção de um terremoto de regular intensidade que
se teria manifestado em Pesqueira nesse mesmo dia, houve repetidas perguntas telefônicas
indagando se os sismógrafos haviam registrado aqui alguma perturbação.
Examinando-se então, o traçado dos aparelhos de inscrição mecânica, sem
interromper o seu funcionamento e nada se encontrou. O aparelho Milne Shaw,
muito mais sensível, por ser de registro fotográfico, somente hoje, depois de
reveladas as folhas e suficientemente secas, poderá ser consultado, depois de
meio-dia, e confirmará ou não a chegada até este capital das ondas vindas de
Pernambuco. Entretanto, o mesmo aparelho, na folha relativa ao intervalo de 29
a 30 de setembro, somente ontem examinada por ter sido domingo o dia 30,
manifesta um movimento regular intensidade, cujas fases não são muito
nitidamente reconhecíveis, o que impede que a distância calculada do epicentro
seja segura, encontrando-se assim mesmo cerca de3.330 kms.
Começou a 22h43m4s do dia 29,
manifestando-se as ondas longas a 22h58m3s e terminando-se a 23h25m00, isto é,
antes da meia-noite inicial do dia 30, e não pode, portanto se referir ao sismo
ocorrido no Estado de Pernambuco no dia 1º’.
[...]
Um meteorito?
Diante dos telegramas, cujos textos
lhe mostramos, o Dr. Morize formulou a seguinte hipótese:
- Talvez fosse um meteorito poderoso
que tivesse encontrado a terra, porque quando um fato desta natureza se produz,
é habitualmente acompanhado pela produção de um facho de luz e de um ruído forte
que acompanha a sua trajetória no meio da atmosfera. Se o meteorito é destinado
a cair no lugar onde ele choca a terra, há a produção de um verdadeiro
terremoto em escala pequena. Se a trajetória dele é muito rasante com a superfície
da terra, tanto a luz como o ruído poderá ser sentido através de distâncias consideráveis.
Às vezes, os observadores julgam que o meteorito caiu próximo, porém, ele
apenas passou, continuando seu trajeto. Nesse caso não há terremoto.
[...]
Os detalhes do fenômeno
sísmico chegados da capital pernambucana
RECIFE, 2 (Serviço especial de A
NOITE, pelo cabo submarino) - Pela segunda vez de quatro meses em quatro meses,
a esta parte observou-se ontem aqui, um abalo do solo, sendo que dá primeira,
tendo o fenômeno sido sensível somente em Pesqueira, foi menor do que agora,
embora tivesse caráter perfeitamente extraordinário.
O fenômeno sísmico atingiu os municípios
de Pesqueira, São Caetano, Antônio Olinto [4] e outras localidades. Ao
tremor da terra procedeu um clarão alarmante, para, logo depois se ouvirem
estrondos medonhos de intensidade indescritível.
O tremor do solo durou 60 segundos e
a população desta vastíssima região, que abrange grande parte do centro do
Estado, tornou-se de pânico.
O clarão e os estrondos foram tão
grandes que se estenderam até os municípios de Pedra, São Bento, Buíque,
Altinho e outros. Os habitantes da Região atingida pelo tremor de terra
mostram-se aterrorizados.
[...]
Considerações do Editor:
Diante do exposto
nesse trecho da extensa reportagem publicada no periódico A NOITE está narrado
todo o fato do tremor de terra em Pesqueira seguido de um forte clarão e vários
estampidos ouvidos não só na cidade como em outros municípios da região. Outro
ponto a ser destacado é a hipótese proposta pelo Dr. Henrique Charles Morize (Diretor
do Observatório Nacional) que teria sido um meteorito que caiu e não um
terremoto, conforme está destacado acima.
Dr. Henrique Charles Morize (Foto: site do Observatório Nacional). |
Vale
salientar que outros jornais do Rio de Janeiro também citaram em notas curtas o
que ocorreu em Pesqueira, como foi o caso de O PAIZ, O JORNAL, CORREIO DA MANHÃ
e o DIÁRIO OFICIAL DA UNIÃO em suas edições de 02/10/1923, e que se constituíam
em periódicos de muita expressão a nível federal, o que deixa claro a
veracidade dos fatos.
Esse
foi um fato histórico pesqueirense de muita repercussão e que por mim era
desconhecido, no entanto, este é o trabalho de quem pesquisa, buscar sempre
novas fontes e trazer à tona acontecimentos que com o passar dos anos foram
ficando esquecidos, todavia merecem ser divulgados para que sirvam de estímulo
para outros que se interessam pela gloriosa história da nossa querida e amada
Pesqueira.
Sr. Oswaldo Magalhães, encarregado da Estação Meteorológica de Pesqueira, Pernambuco, e pessoas de sua família (O Malho, 1922, Ano XXI, nº 1.016). |
Por Fábio Menino
de Oliveira.
Notas:
1-
A
estação meteorológica de Pesqueira era dirigida na década de 1920 por Oswaldo
Magalhães;
2-
Alagoa
do Monteiro é a atual cidade de Monteiro, estado da Paraíba;
3-
Henri
Charles Morize ou Henrique Morize (Beaune- França, 31 de dezembro de 1860 — Rio
de Janeiro, 19 de março de 1930) foi um engenheiro industrial, geógrafo e
engenheiro civil francês, naturalizado brasileiro. Trabalhou também como
astrônomo. Radicou-se no Brasil em 1874, tendo sido designado por Luiz Cruls
para chefiar a turma que demarcou o vértice S.E. do Distrito Federal. Foi o
primeiro presidente da Academia Brasileira de Ciências (ABC) de 1916 a 1926 e
diretor do Observatório Nacional (ON) entre 1908 e 1929. Era também Doutor em
Ciências Físicas e Matemáticas e foi 2º Comissário da Comissão da República
Argentina (1902-1904) do Ministério das Relações Exteriores;
4-
Antônio
Olinto é a atual cidade de Tacaimbó, estado de Pernambuco.
Referências:
A
NOITE, Rio de Janeiro, terça-feira, 2 de outubro de 1923, Ano XIII, nº 4.255,
p.1.
CORREIO
DA MANHÃ, Rio de Janeiro, terça-feira, 2 de outubro de 1923, Ano XXIII, nº
9.879, p.3.
DIÁRIO
OFICIAL DA UNIÃO, Rio de Janeiro, terça-feira, 2 de outubro de 1923, p.66,
Seção 1.
O
MALHO, Rio de janeiro, julho de 1912, Ano XI, Nº 512, p. 9.
_________,
Rio de Janeiro, 4 de março de 1922, Ano XXI, nº 1.016, p.27.
O
JORNAL, Rio de Janeiro, terça-feira, 2 de outubro de 1923, Ano V, nº 1.452,
p.2.
O
PAIZ, Rio de Janeiro, terça-feira, 2 de outubro de 1923, Ano XL, nº 14.226,
p.6.
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