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Nas esquinas da cidade toda a beleza, funcionalidade e memória grafadas de branco em fundo esmaltado azul. |
Tenho caminhado pelas ruas e praças de Pesqueira em
busca de histórias e memórias para contar nas laudas desta página e preservar
aquilo que o tempo não apagou e as mãos humanas não destruíram. E algo me
chamou à atenção: às placas de ruas que ainda existem e resistem. Razão pela
qual as tenho fotografado para guardar.
Destaco as famosas e emblemáticas placas azuis como
símbolos de uma época de organização urbana a partir da década de 1930 em que se
passou a ter a preocupação de colocá-las nas ruas para identificação de
endereços e orientar as pessoas, ajudando-as a encontrar seu caminho pela
cidade. Assim como, tornou-se uma
tradição das urbes os números das residências feitos com o mesmo material
esmaltado e que ainda pudemos ver um bom número em Pesqueira.
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Placa esmaltada com número de residência. |
Outro ponto importante para a adoção de padrões
mais claros e uniformes de placas de ruas tornando-as mais fáceis de ler
à distância foi a popularização dos veículos e o consequente aumento de tráfego
urbano que necessitava de maior segurança tanto para os condutores quanto para
os pedestres. Primeiro esse foi um movimento dos grandes centros urbanos do
país e, depois, passou para as cidades do interior, a exemplo de Pesqueira.
No Brasil, entre os anos de 1930 e 1970 tornaram-se
comuns as placas esmaltadas com letras brancas em caixa alta sobre fundo
azul-escuro, geralmente com moldura branca, substituindo as antigas placas de
madeira ou de ferro fundido. Suas origens foram no Reino Unido, mas
precisamente no bairro industrial de Selly Oak da cidade de Birmingham, onde
Benjamin Baugh fundou em 1889 a fábrica Patent Enamel Company para produção das
placas esmaltadas cuja ideia havia sido patenteada por ele em 1859.
A técnica usada para a produção das placas obedece
às seguintes etapas: 1) Preparação da base metálica, que é limpa e tratada para
receber o esmalte; 2) Aplicação de camadas de esmalte vitrificável (vidro em pó
colorido) sobre a superfície; 3) Desenho e escrita feitos com o uso de
estênceis (moldes vazados) ou marcadores, que delimitam as áreas onde o esmalte
será aplicado com diferentes cores; 4) A chapa com o desenho é então submetida
a um processo de queima em forno de alta temperatura, o que funde o vidro ao
metal e fixa permanentemente a imagem; e 5) O processo pode ser repetido em múltiplas
camadas e queimas, especialmente quando há cores sobrepostas ou detalhes finos.
O processo permite que as placas adquiram um brilho
único em razão do esmalte de vidro. Sem contar que não perdem a cor com
facilidade, levando em consideração as intempéries do tempo devido a serem
apostas em ambientes abertos. E com isso vêm outros dois pontos fortes do uso e
da popularização destas placas: a durabilidade pela vida útil do material muito
resistente à corrosão e a facilidade da manutenção, caso fossem pintadas em
poucos segundos, a tinta pode ser removida com qualquer solvente sem sofrer
avarias.
Do ponto de vista da estética eram usadas nas
placas esmaltadas as fontes em caixa alta na maioria dos casos sem serifa, a
exemplo da Arial, Helvética e Verdana, cujas letras têm um aspecto mais limpo e
moderno, sem prolongamentos nas extremidades facilitando a legibilidade à
distância, proporcionando clareza e uniformidade visual. Em cidades maiores,
até o tipo de letra podia indicar a época ou o bairro.
Pois bem, temos nas ruas pesqueirenses o exemplo da beleza, durabilidade e da resistência destas placas, visto que ainda temos alguns exemplares - não tantos como gostaríamos, é verdade. Mas, teima em resistir uma quantidade que nos ajuda a contar a história, ao tempo em que lamentamos pelas que foram perdidas em ruas históricas como a Cardeal Arcoverde, Barão de Cimbres, Barão de Vila Bela e Maestro Tomás de Aquino.
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Rua Barão de Cimbres, uma das placas perdidas. Acervo Marcelo Nascimento. |
Lembrando que ainda existem alguns exemplares de placas esmaltadas com propagandas de lojas que certamente patrocinavam os custos para que as mesmas fossem adquiridas e que aparentam serem das décadas de 1960 e 1970, como as que têm na Rua Duque de Caxias, na Avenida Ésio Araújo e na Praça Padre José França para citar os exemplos conhecidos e também tiveram destas que foram perdidas a exemplo da que existia na Praça Getúlio Vargas.
Exemplo de placa esmaltada com patrocínio.
Indo além da durabilidade, estas placas tornaram-se icônicas ao longo do tempo por sua estética que fazem parte da identidade visual de Pesqueira, ainda que muitas vezes, sejam relegadas à invisibilidade e ao esquecimento, as placas esmaltadas azuis são peças importantes para o design urbano não só pela funcionalidade, mas pelo ar nostálgico e charmoso para as urbes brasileiras.
O período de declínio em que as mesmas foram caindo
em desuso se deu a partir da década de 1980, com a popularização de materiais
como o alumínio, PVC e acrílico que por possibilitarem versões mais baratas,
leves e fáceis de fabricar foram substituindo as placas esmaltadas, no entanto,
cidades históricas como Paraty, Ouro Preto e Olinda mantêm em suas ruas essas
placas como símbolo histórico, visual e cultural.
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Inauguração da Avenida Joaquim de Brito em setembro de 1951, onde é possível ver no canto superior direito da placa esmaltada azul. |
A placa esmaltada, a tinta azul e as letras brancas são mais do que simples detalhes ou meros indicativos de endereços, são marcas do tempo que merecem ser preservadas pelo seu valor histórico e cultural. Fica nosso apelo aos proprietários das residências e casas comerciais das que ainda restam para que cuidem com vistas a manter esses tesouros que ajudam a contar a nossa história e quiçá possamos fazer um movimento de restauração destes letreiros do tempo.
Porquanto, fica o registro para mostrar a
importância das placas esmaltadas de ruas e praças como verdadeiras relíquias
urbanas que marcaram uma época do design e da sinalização pública no Brasil, e
em Pesqueira não foi diferente, por isso, nossa preocupação com a preservação
deste patrimônio da nossa cidade e não se trata apenas de ser saudosista e
nostálgico, todavia, de reconhecer o valor histórico transcrito em letras
maiúsculas no esmalte azul que transcende o tempo para mostrar que beleza não
tem época.
Por Fábio Menino de Oliveira